Crítica - A Lenda de Tarzan (2016).

A Lenda de Tarzan/The Legend of Tarzan, dirigido por David Yates.
A figura de Tarzan está enraizada na cultura mundial há algumas boas gerações. A história criada por Edgar Rice transcendeu épocas e idades com força o suficiente para evitar a saturação que poderia ser causada por infindáveis adaptações pífias para o audiovisual. Afinal, a fascinação pelo que Tarzan representa, um homem selvagem e livre das amarras da sociedade moderna, é de escala atemporal. E é esse poder que levou a Warner a explorar mais uma vez esse famoso nome e o trazer para a concorrida temporada dos blockbusters. O resultado é A Lenda de Tarzan, uma típico fita pipoca de verão: cheia de clichês e efeitos, mas divertido, e este último adjetivo é o suficiente para colocá-lo acima das últimas vezes em que vimos o nome "Tarzan" estampado em cartazes de Multiplex.

Necessário ou não, ao menos os roteiristas Adam Cozad e Craig Brewer tiveram a decência de não focar, novamente, em recontar a origem da lenda, apenas introduzindo pequenos flashbacks pontuais durante a ação principal, que inicia com o protagonista já estabelecido em Londres como Lorde Greystoke. Ainda famoso pelo seu passado, agora conhecido como John Clayton, recebe o convite do Rei Belga Leopoldo para retornar à Africa (pois o que queremos é ver o mito, não o cidadão comum). Após primariamente recusar o pedido, acaba persuadido pelo Doutor George (Samuel L. Jackson), com o objetivo de averiguar se o soberano escraviza nativos no Congo. Porém, é claro, há um revés desconhecido pelo herói: a intenção do rei é trocá-lo por diamantes, em plano arquitetado pelo maléfico Leon Rom (Christoph Waltz). 

Na breve passagem em Londres, se torna nítido como o diretor David Yates se mantém preso em seu estilo sombrio e monocromático já vistos nos últimos capítulos de Harry Potter, e esta estética reforça bem como John, independente de se esforçar para se adequar em sua nova realidade, se sente desconfortável. É apenas na presença da calorosa Jane que as cores surgem, entretanto, ainda em um único tom, sem variações ou identidade, pois como a própria diz, ela quer "voltar para casa", em referência ao Continente Africano. E por mais que o casal tenha regressado ao local por decorrências preocupantes, lá ambos se veem cercados de vida e colorações quentes, seja na presença de humanos ou de animais. 

A alteração do humor de Tarzan ao chegar onde cresceu é imediata, retratada em uma sensível cena onde reencontra alguns antigos parceiros felinos e troca pequenas carícias de reconhecimento com esses, enquanto a Jane de Margot Robbie exibe um honesto sorriso de quem está maravilhada pela imagem e por estar de volta ao lar. A satisfação de ambos é compreensível, pois a beleza do ambiente é implacável, e uma pena que o excesso de maquiagem digital, presente em todo quadro amplo, sabota a natureza pela artificialidade, algo irônico já que o filme busca, frequentemente, discutir a dicotomia entre o urbano e o selvagem, como ao diferenciar os arredores verdes, abertos e iluminados onde vive a tribo amistosa a Tarzan, dos ângulos fechados que cercam Waltz, adepto da mentalidade egoísta e que visa riqueza em prol da natureza, ao contrário de feras consideradas "selvagens", dispostas e resolutas em proteger seus semelhantes, comportamento exibido na família de gorilas que cuidou do protagonista quando pequeno.

Encarnando o pilar de união entre os dois lados, Alexander Skarsgård vive Tarzan com surpreendente complexidade. Se seu físico convence na facilidade com que enfrenta e derruba rivais humanos, é a profundidade do olhar que torna o personagem simpático com o espectador, convincente no contraste com que exibe uma expressão perturbada e inquieta no ambiente social, e calorosa e de alívio ao abraçar velhos companheiros na savana. Além disso, a seriedade de sua atuação deixa críveis cenas com potencial enorme para constrangimento, como nos momentos em que se preparada para enfrentar um primata e ao emitir seu famigerado grito de guerra. O ator deve subir alguns degraus em Hollywood, e só não o faz melhor por ser prejudicado por um texto preguiçoso e que faz de tudo para transformá-lo num super-herói invencível e de plástico.

E o roteiro é realmente esforçado em dirimir a qualidade final da película, tarefa que por sorte não obtém êxito pelo talento do elenco. Margot Robbie, por exemplo, vive Jane como uma mulher obstinada, intrépida e forte, uma rival ao autoritarismo de Waltz. Ações respeitáveis e que refletem bem o pensamento atual de igualdade entre os sexos. O problema é que a jornada da personagem vai em contraponto às atitudes da mesma, sempre a colocando como uma dama em perigo, e por mais que a mesma diga não ser uma, ela serve de pilar para John voltar a ser Tarzan. 

Leon Rom é outro com predisposição para ser um antagonista caricato, e Waltz impede isso com uma atuação divertida e competente em transmitir a perversidade e veneno do homem. Já está comprovado que Christoph é um character actor, mas dentro de seu terreno de segurança, entrega rendimentos invejáveis. Para completar o time, Jackson aparece com sua conhecida intensidade, ainda que a dicção e os trejeitos sejam manjados de tantos trabalhos anteriores.

E para interagir com os nomes supracitados, a equipe de efeitos especiais cria animais fabulosos, realistas e detalhados, com suas próprias cicatrizes e características expressivas e de pelagem. Há de se destacar um tocante e simples momento onde Tarzan e George encontram com elefantes, e o singelo gesto de um bebê destes mamíferos projeta emoções vigorosas e que remetem a uma outra parte do filme, onde um trem passa com caixotes transbordando presas destas enormes criaturas. Um pequeno e sutil apelo ambientalista. 

A primazia na criação dos seres não pode ser visualizada nas cenas de ação que envolvem as piruetas do personagem título, onde a substituição de Alexander pelo digital ficam óbvias e corrompem a imersão do universo, como se gritassem "opa, isso é mentira". E é lastimável que justo no clímax, onde o envolvimento mais se dá essencial, as falhas visuais apareçam corriqueiramente. Se por alguns segundos vibramos enquanto feras destroçam construções ao som da épica trilha sonora de Rupert Gregson-Williams, logo a seguir somos atacados por movimentos de câmera confusos que tentam esconder a fragilidade de efeitos duvidosos. A impressão é de que Tarzan - o longa - enfrenta a si mesmo. Bons atores contra um roteiro vago. Bons efeitos contra outros questionáveis. 

É uma dicotomia artística que se sobrepõe àquela inerente ao personagem, e assim o saldo final é inegavelmente corrompido. 

Nota 7.

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